Escalada fascista no Brasil: as tarefas do campo popular e democrático  Por Carlos Eduardo Martins. As eleições gerais brasileiras de 2018 revelam a profundidade da crise do liberalismo político no país e a intensa polarização que divide a disputa presidencial. Elas são profundamente afetadas pelo golpe de Estado de 2016 que descontinuou a Nova República e impôs um Estado de exceção. Procuramos nomear esse Estado de exceção como fascista-liberal para designar uma situação híbrida onde o liberalismo político é violado substantivamente mas parcialmente preservado em seus aspectos formais para se combinar como uma estrutura autocrática de poder que pretende subordiná-lo, restringindo significativamente a competição política para impedir o livre exercício da soberania popular. Essa estrutura totalitária se assenta na promulgação de uma legislação restritiva e no estabelecimento de estruturas de controle da soberania popular que a limitam profundamente. A aprovação da EC 95 que criminaliza as políticas sociais, a prisão de Lula sem provas processuais, a impugnação de sua candidatura e a de outros políticos oposicionistas à revelia da Constituição, sem trânsito em julgado da sentença, revelam um conjunto de amarras que têm sido estabelecidas por uma estrutura de poder decisória fundada na atuação da Magistratura fora dos marcos legais e do controle popular, mas respaldada pelo grande capital, em particular por sua principal fração midiática, e por uma maioria parlamentar que alijou a centro-esquerda hegemônica do governo e colocou trancas para o restabelecimento de suas políticas. O fascismo-liberal não pretende estabelecer um Estado totalitário, mas sim um fascismo cirúrgico que produza o grau suficiente de heteronomia para manter a competição política sob controle e impor uma ditadura civil do grande capital. Para isso são necessárias doses limitadas mas estratégicas de violência, arbítrio e terror capazes de atingir os principais pontos de articulação política das classes trabalhadoras, na crença de que afetando as mais importantes expressões de sua elite política, desorganizaria a sua base e intimidaria as demais lideranças. A grande razão para que o fascismo-liberal não avance rumo a um Estado totalitário é a de que não pretende criar um monopólio político capaz de rivalizar com o monopólio empresarial e com a ditadura civil do grande capital que lhe corresponda. Este tipo de fascismo existiu entre 1922-24 na Itália, quando a ascensão de Mussolini a Primeiro-Ministro após a marcha sobre Roma conviveu com eleições e pluripartidarismo sob coações, violência, intimidações e deformações institucionais, como a Lei Acerbo, e por curto período na Alemanha, entre janeiro e março de 1933, quando Hitler tomou posse como Chanceler e estabeleceu um regime de terror que restringiu o liberalismo político e a competição partidária antes de aniquilá-los com a obtenção das leis habilitantes, concedidas sob ameaças, chantagem, negociação e mas também adesão pela maioria do Parlamento para que assumisse as suas funções legislativas. A dinâmica do fascismo varia enormemente de acordo com as frações burguesas que lhe impulsionam, com as contradições a que busca responder e os desafios internos e geopolíticos que assume. O fascismo como realidade histórica não é todavia uma força social pura. A sua ascensão ao poder estatal, nos seus casos mais expressivos, se deu institucionalmente, por dentro do Estado liberal, através de um bloco histórico que tradicionalmente reuniu fascistas, liberais e conservadores, entre os quais se destacaram os católicos. A expressão concreta do fascismo variará de acordo como peso de cada uma destas frações no bloco de poder, que pode incluir outras formas de conservadorismo religioso como o neopentecostalismo. As eleições brasileiras se dão no contexto histórico de vigência de um fascismo liberal que retira grande parte de sua legitimidade. Não apenas prende-se o principal líder da centro-esquerda e cassam-se candidaturas, mas restringe-se o tempo e o período de campanha. Entretanto os resultados eleitorais revelam a debilidade desse sistema para estabilizar os seus marcos institucionais. A derrota fragorosa e o pífio desempenho de seus principais candidatos (Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles, João Amoedo e Álvaro Dias), atropelados pela polarização entre o candidato da extrema-direita Jair Bolsonaro e o candidato da centro-esquerda Fernando Haddad, secundado por Ciro Gomes, demonstram que mesmo com instrumentos de controle o regime tem dificuldades para anular as ameaças do liberalismo ao seu comando em favor do monopólio político do grande capital. De um lado a centro-esquerda e as esquerdas se agrupam numa tentativa de utilizar o liberalismo político limitado e a mobilização popular para impulsionar transformações jurídico-políticas que retirem as amarras que o constrangem e restabeleçam patamares mínimos de funcionamento democrático. Para isso a chapa de Fernando Haddad e Manuela D’Ávila reivindica a pressão popular sobre o Congresso para obter referendos que derroguem a emenda constitucional do teto de gastos públicos, driblando a dificuldade de alcançar maioria qualificada no Parlamento, ou eliminem as reformas trabalhista, do marco regulatório do Pré-Sal e do Ensino Médio, dotando tal ato da manifestação direta da soberania popular. Mas para restabelecer a democracia é necessário ir além da revogação das reformas introduzidas pelo Governo Temer. Ganha especial destaque a necessidade de estabelecer controle público e democrático sobre o Poder Judiciário, cujo caráter autocrático se agravou com a promulgação das leis anti-corrupção e anti-terrorismo, e sobre os meios de comunicação, apesar da Constituição de 1988 em seu artigo 220 impedir os monopólios e oligopólios, texto que permanece inoperante pela falta de iniciativa política e pelo caráter estamental do Poder Judiciário. Embora o programa de Haddad e Manuela mencionasse a necessidade de convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva e unicameral, o candidato abriu mão desse dispositivo em entrevista ao Jornal Nacional diante das pressões conservadoras. De outro lado, a chapa constituída por Jair Bolsonaro e pelo General Hamilton Mourão expressa a voz daqueles que nunca se conformaram com a redemocratização política do país. Seu programa denuncia que o país teria sido tomado pela hegemonia do gramscianismo cultural que articulou-se às oligarquias desde 1988 para minar a nação e a família brasileira, momento em que a Constituição Cidadã substituiu a de 1967, imposta pela ditadura militar do grande capital. A candidatura Bolsonaro/Mourão propõe não apenas uma regressão da institucionalidade política que ameaça a presença do liberalismo como variável subordinada ao núcleo autocrático do regime, mas também clama por uma profunda regressão civilizatória. Trata-se de reivindicar o anticomunismo, o machismo, o racismo, a homofobia, a intolerância à diversidade e o uso em larga escala da violência contra o conflito social como valores positivos e básicos para assegurar a ordem nacional. Essa candidatura alcançou desde o início a preferência da pequena-burguesia e das camadas médias, assumindo ainda grande projeção nos segmentos da classe trabalhadora que não foram beneficiados pelas políticas de distribuição de renda dos governos petistas, Estas favoreceram os 50% mais pobres e os 10% mais ricos, penalizando aqueles cuja renda familiar está acima da linha de pobreza definida pelo Governo, mas na maior parte dos casos abaixo do salário mínimo necessário definido pelo DIEESE. Este segmento responde pelos trabalhadores cuja renda familiar mensal está entre 2 e 5 salários mínimos, representando 37% dos eleitores, sendo os que possuem renda familiar mensal de 2 a 3 salários mínimos equivalentes a 19% deles. A candidatura de Bolsonaro/Mourão recebeu posteriormente o endosso de segmentos mais frágeis do grande capital, afetados pela recessão estrutural imposta pela política econômica do golpe de Estado que impulsiona o processo de centralização e concentração de capitais. Lideraram o locaute dos caminhoneiros e assumiram o protagonismo de uma massa dispersa, paralisando o abastecimento de combustíveis, alimentos e mercadorias no país. O locaute transformou-se parcialmente em um movimento político de suporte à candidatura de Bolsonaro e à intervenção militar. Tratava-se de postular um Estado forte e protetor, capaz de rivalizar em poder com a ditadura empresarial e a centralização do capital em favor dos seus setores mais dinâmicos, transnacionalizados e financeirizados. A acusação de comunistas por parte dos manifestantes às Organizações Globo e ao governo Temer, aparentemente delirante, só encontra sentido quando se percebe que remete de forma histérica e recalcada à expropriação de capital que se realiza através das próprias disputas intercapitalistas. Entretanto a adesão da elite empresarial e financeira brasileira à candidatura de Bolsonaro e Mourão se inicia partir da transferência massiva de votos de Lula a Haddad e da constatação do fracasso das candidaturas de suas preferências político-eleitorais. Diante do risco de desmonte do regime implementado após 2016, aposta-se numa candidatura que o aprofunde para legitimá-lo. Buscando o apoio deste segmento para a sua candidatura desde 2017, Bolsonaro rompe com sua trajetória de defesa do Estado nacional e adota o neoliberalismo radical como bandeira. Em sua longa atuação de 27 anos como parlamentar, Bolsonaro se posicionou em radical oposição ao Governo FHC e votou contra o Plano Real, contra a quebra do monopólio da Petrobras na pesquisa, extração refino, importação e exportação do petróleo e seus derivados, assim como votou contra a quebra do monopólio da União na prestação dos serviços de telecomunicações. Também se posicionou contrariamente à reforma da Previdência e o ajuste fiscal de FHC, que os impôs sob a orientação do FMI. Mas em novembro de 2017, em entrevista à revista Veja, coordenada por Augusto Nunes, nomeia o economista neoliberal ortodoxo Paulo Guedes como seu futuro Ministro da Fazenda, com quem teria “um namoro e quase um casamento hétero”, intitulando-o posteriormente como seu “Posto Ipiranga”, avisando que este permaneceria no cargo até o último dia do seu governo. Como quem se desculpa pelo seu passado, informa que não entende nada de economia, e passa a apostar na combinação de uma agenda radical neoliberal. 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